terça-feira, 12 de maio de 2009

Reflexões sobre hermenêutica jurídica e investigação direta pelo Ministério Público

Na atualidade, o sistema acusatório brasileiro é marcado, indelevelmente, pela Constituição Republicana de 1988.

As garantias processuais do juiz natural (art. 5°, LIII, CR), devido processo legal (art. 5°, LIV, CR), o contraditório e a ampla defesa (art. 5°, LV, CR), inadmissão das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5°, LVI, CR), estado de inocência (art. 5°, LVII, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LXVII e LXVIII, CR), da ação privada subsidiária da pública (art. 5°, LIX, CR), publicidade dos atos processuais (art. 5°, LX, CR), indenização por erro judiciário (art. 5°, LXXV, CR), razoável duração do processo (art. 5°, LXXVIII, CR), entre outras, iluminaram o Código de Processo Penal e desde então impôs-se uma releitura nas normas processuais penais.

Conclui-se, pois, que temos hoje um sistema processual penal diverso da época em que o Código foi elaborado e aprovado.

Por outro lado, e também em decorrência da nova ordem jurídica constitucional, o Ministério Público ganhou uma nova roupagem, sendo um verdadeiro marco jurídico para a consolidação da democracia brasileira.

Dentre as funções institucionais destaca-se a privatividade da ação penal pública e o exercício de outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, inc. I e IX, da CR).

Quando o constituinte originário retirou o Ministério Público da alçada do Poder Executivo e da defesa do Estado, erigiu-o à condição de guardião e fiscal dos direitos da sociedade.

Analisados, sucintamente, o sistema acusatório e o perfil constitucional do Ministério Público, passamos à análise da possibilidade da realização de investigação direta pelo membro do parquet sem a quebra dos contornos constitucionais do sistema processual penal brasileiro.

Há aqueles que, como o criminalista Luís Guilherme Vieira[1], apontam os principais argumentos dos que negam ao Ministério Público a possibilidade de exercer poderes investigatórios de forma direta, conforme se observa do parecer de Luís Roberto Barroso, aprovado em 18 de fevereiro de 2004, pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH).

Para eles a vedação encontraria respaldo na Constituição da República, que atribui às Polícias Federal e Civil a apuração de infrações penais, bem como atribuiu ao Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial, e não de substituir esta atividade.

Fazem uma interpretação restritiva das normas constitucionais, na medida em que não asseguram a máxima eficácia e não vislumbram nas atribuições ministeriais a possibilidade de investigar diretamente.

No entanto, este tipo de interpretação não está em consonância com a hermenêutica jurídica.

Assim é que a atividade de interpretar significa “revelar o conteúdo, o significado e o alcance da norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto.”[2]

A interpretação das normas constitucionais deve ainda observar o relevante conceito de construção - que “significa tirar conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões contidas no texto e dos fatores nele considerados. São conclusões que se colhem no espírito, embora não na letra da norma.” – e de “conexão inafastável entre a interpretação constitucional e a interpretação das leis”[3].

A Constituição Republicana de 1988 não traz expressamente a possibilidade da investigação direta pelo Ministério Público.

Todos sabemos que o Ministério Público é o titular da ação penal pública, de maneira privativa. Não há notícias de questionamentos sobre a constitucionalidade da referida norma.

Ora, quem pode o mais, pode o menos.

Se a autoridade policial, nos crimes de ação penal pública deve instaurar de ofício o inquérito policial para a investigação, não pode arquivar autos de inquérito (artigo 17 do Código de Processo Penal).

Se é função privativa do órgão do parquet a propositura da ação penal ou o arquivamento dos autos de inquérito (artigo 24 e seguintes do CPP), inexistindo quebra do sistema acusatório com a respectiva possibilidade, outra conclusão não se pode chegar senão que o Ministério Público pode investigar diretamente.

No que tange à preocupação dos doutrinadores que negam essa possibilidade (temeridade de concentração de poderes no Ministério Público, favorecendo o cometimento de abusos), o sistema constitucional brasileiro de freios e contrapesos previstos nos artigos 127 até 130-A, da CR/88, criaram o Conselho Nacional do Ministério Público e a Corregedoria-Geral dos Ministérios Públicos, órgãos responsáveis pela orientação e fiscalização das atividades funcionais e da conduta dos membros do Ministério.

Dessa forma, inevitável se torna a crítica a qualquer posicionamento que dê interpretação diversa à possibilidade da direta investigação pelo Ministério Público, uma vez que o sistema acusatório deve ser vinculado ao ambiente constitucional democrático, com os novos contornos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


[1] Luís Guilherme Vieira, O Ministério Público e a investigação criminal, 2004, mimeografado. V. também sobre amatéria o artigo de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, A inconstitucionalidade de lei que atribua funçõesadministrativas do inquérito policial ao Ministério Público, Revista de Direito Administrativo Aplicado, nº 2, Curitiba, 1994, p. 445-453.

[2] Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, 6ª Edição revista, atualizada e ampliada. Ed. Saraiva, 2006, p. 103

[3] Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, 6ª Edição revista, atualizada e ampliada. Ed. Saraiva, 2006, p. 104/105

BIBLIOGRAFIA:

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, 6ª Edição revista, atualizada e ampliada. Ed. Saraiva, 2006.

BARROSO, Luís Roberto. Parecer aprovado por unanimidade pelo CDDPH, em sessão realizada em 18 de fevereiro de 2004.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A inconstitucionalidade de lei que atribua funções administrativas do inquérito policial ao Ministério Público, Revista de Direito Administrativo Aplicado, nº 2, Curitiba, 1994.

VIEIRA, Luís Guilherme. O Ministério Público e a investigação criminal, 2004, mimeografado.



Um comentário:

Anônimo disse...

buy tramadol online cod safe to buy ultram online - tramadol hcl 50mg get you high