segunda-feira, 15 de junho de 2009

A "mordaça" e o projeto de lei do deputado Paulo Maluf

Historicamente, a mordaça foi o símbolo da punição usada pelo Santo Ofício contra aqueles que eram considerados blasfemos.
O Santo Ofício foi um órgão judicial que garantiu, em Portugal, a sobrevivência do império colonial. O primeiro regimento foi publicado em 1552, atribuído ao Cardeal D. Henrique (que depois se tornou rei em lugar de Dom Sebastião) e o último e quarto regimento foi publicado em 1774, já no período de decadência da instituição.
O Santo Ofício teve como marca atos e solenidades públicas - de estudada teatralidade. O Auto-de-Fé era preparado com minúcias: desde o levantamento de um palanque em praça pública, próximo da residência do rei ou do governador. A inquisição, o clero e as autoridades civis e militares tinham lugares rigorosamente determinados, rodeando um altar aonde seriam realizados os ritos principais. A parte da frente, entre as autoridades e o povo era reservada para os condenados, que vestiam hábitos conforme as penas.
O Auto começava com uma solene procissão em que penitenciados e relaxados eram conduzidos desde o cárcere da penitência até o cadafalso.
Neste trajeto, se os conduzidos se manifestassem ou apresentassem um comportamento agressivo poderiam ser amordaçados.
O cortejo também era integrado por carregadores de livros proibidos, estátuas de réus foragidos e ossos de defuntos a serem relaxados post mortem.
Quando todos estavam no palanque é que os inquisidores e mais ministros do Santo Ofício se apresentavam, e neste momento era iniciada a solenidade com um sermão. Após, lia-se o "Edicto da Fé" e as sentenças dos reconciliados. Retornando o inquisidor ao seu lugar, era a vez dos relaxados, que após a leitura das sentenças, eram encaminhados para os juízes seculares.
As sentenças de condenação não eram, necessariamente, executadas de imediato e as fogueiras, de preferência, eram preparadas em outros locais (muitas vezes fora das cidades), o que não impedia o povo de acompanhar as execuções com entusiasmo.
Hoje, no Brasil (ex-colônia portuguesa), debate-se muito a respeito do projeto de lei apresentado pelo deputado federal Paulo Maluf que dará nova redação a alguns artigos da lei da ação popular, lei da ação civil pública e a lei de improbidade administrativa, visando atribuir responsabilidade aos autores das ações popular, civil pública e de improbidade que as propõe de forma temerária, com má-fé, manifesta intenção de promoção social ou visando perseguição política.
Pontualmente, há responsabilidade pessoal do membro do MP nos casos em que ele aja com dolo ou fraude, com base no artigo 85 do Código de Processo Civil.
No que diz respeito a responsabilidade civil pessoal de membros do Ministério Público quando agem na defesa dos interesses difusos e coletivos inexiste lei disciplinadora e específica. E nestes casos a atuação do Promotor é ditada por normas materiais de conteúdo aberto, o que permite a sua livre apreciação da oportunidade de atuação.
É notório que o autor do projeto visou o próprio interesse quando da propositura na Câmara dos Deputados.
Por outro lado, resta evidente que numa democracia não pode haver nenhum agente irresponsável.
Mas o que há de comum entre o Santo Ofício e a discussão sobre o projeto de lei do senhor Paulo Maluf?
A meu ver, a hipocrisia.
A falsidade que dominou Portugal na época do Santo Ofício é a mesma que reina no Brasil do século XXI. Somos hipócritas e dissimulados como os membros da corte portuguesa, as autoridades civis e militares, o clero e os ministros da inquisição, porque queremos ver os bodes expiatórios sendo queimados em praças públicas ou em locais afastados. Não importa.
Precisamos refletir, discutir e rediscutir a necessidade de responsabilização pessoal do membro do Ministério Público, mas também dos demais agentes de poderes, como os do Judiciário, o Executivo e o próprio Legislativo, por atos fraudulentos ou dolosos, porque o Estado não pode e não deve ser responsabilizado quando seus agentes são movidos por motivos outros que não o interesse público.
Vale lembrar que nenhum direito ou garantia é absoluto.
E essa regra, num país democrático e republicano, vale para todos.

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